Tempo, será que nos conhecemos?
A cultura e a correria que perpetuam comportamentos indesejáveis
Olá, como você está?
Por aqui muitas reflexões... lancei recentemente meu livro de contos e depois de um período de agito (que durou até poucos dias antes do lançamento, com a espera da entrega da gráfica) veio um período de diminuição de atividades misturado com o calendário chegar em final de ciclo. E neste período foi divulgada oficialmente a última versão da pesquisa retratos da leitura no Brasil.
Eu já formulei uma série de reflexões sobre este assunto. Mas sinto que se você se interessa pelo tema pode querer conferir a pesquisa ou o vídeo do seu lançamento com análises e comentários, já adianto que é longo.
Vou confessar para quem lê essas partilhas que eu nem sempre fui exatamente leitora. Conforme a pesquisa, a definição para leitor é de uma pessoa que leu algum livro (digital também vale, e inclusive sem ter concluído a leitura) nos últimos três meses. Em alguns períodos eu lia mais o que era requisitado nos cursos acadêmicos, ou sequências espaçadas e desaceleradas de leituras sobre... que é como eu chamo os livros que tem como foco o conteúdo para ensinar algo, mesmo sem um recorte didático ou técnico. Mas não havia ali um hábito, ou disciplina.
Agora eu também não tenho exatamente um hábito dedicado, uma disciplina de ler tantas páginas por semana, ou um horário designado no dia. Leio, pois, criei uma relação com essa atividade, assim como com a prática de exercícios físicos e sinto falta se não fizer. Geralmente costumo gostar, mas nem sempre.
Esse ano eu passei dois momentos mais intensos, no primeiro eu estava vivenciando uma grave situação de saúde de uma pessoa próxima, no segundo tocando projetos paralelos e precisando administrar questões operacionais com as quais estava pouco habituada. Nos dois casos entre o agito emocional e o mental notei a facilidade de dedicar a minha atenção para o que me distraísse mais depressa, como as mídias de conteúdos rápidos. E foram períodos nos quais eu li menos. Eu inclusive me pergunto se caso eu não tivesse sustentado um hábito de leitura pelos últimos três ou quatro anos e essas mídias não me cansassem rapidamente, até quando essa prática teria durado? Porque seria fácil sustentar isso e simplesmente deixar o resto de lado.
E o resto ao qual me refiro é qualquer outra atividade, seja meditação, testar receitas na cozinha, praticar desenho. E então voltamos para a pesquisa sobre leitura, que aponta que um dos principais motivos apontados para o afastamento da leitura pela maioria dos participantes da pesquisa é a falta de TEMPO. Mas tempo é diferente de espaço na agenda, é medida de transformação, muitas vezes confundida com energia. E a principal atividade de tempo livre da maioria dos não leitores é algo que não precisa de tambores para se apresentar, tempo na internet (sem ser por trabalho ou estudo), especialmente em apps de mensagem e na sequência em mídias de partilhas rápidas.
Desde meados dos anos 2010 eu já acompanhava debates de profissionais de diferentes áreas comentando que as mídias em si não seriam um desafio, mas o seu uso sim. Naquele momento nem sei se alguém antecipava essa dinâmica dominante de vídeos super curtos, conteúdos ao vivo, que são os menores dos desafios destes espaços.
Estas partilhas rápidas em alguns momentos até geram uma ilusão de aprendizado, com uma rasa e descontextualizada apresentação de temas. Eu sinto que leio bem mais hoje do que há alguns anos, e é claro que parte disso tem relação com a minha conexão com o campo editorial. Mas parte significativa tem relação com o descanso do tempo de tela, com a vontade de conhecer novas histórias (algo que no audiovisual tem acontecido menos ultimamente) e com um respiro do excesso de ruídos que a pós-modernidade carrega. Como você tem sentido isso?
Para não perder o hábito, algumas referências do que eu ouvi enquanto escrevi e editei esse texto:
Jota.pê e Gilsons • Feito a Maré
Reel Big Fish
Ótima reflexão
Grata pela partilha