Será que nós estamos mais perto de Admirável Mundo Novo, ou de 1984? Ou vai ver é de A Parábola do Semeador, da Octavia Butler? Talvez você já tenha lido algum desses títulos, mas caso ainda não tenha vale saber a escrita varia bastante, as histórias são diferentes, mas todas são distópicas.
É frequente no universo das narrativas de ficção especulativa desenvolver histórias que tendam para o lado dos cenários apocalípticos. Mas outro ponto em comum que essas publicações possuem é que foram todas lançadas no século XX. O contexto ambiental de três ou quatro décadas atrás já estava longe de ser ideal, mas era diferente do que temos hoje. Por isso é importante refletir sobre como recebemos e processamos esse conteúdo agora.
Quando eu me conectei com o campo do Design Regenerativo* no ano de 2019 muitas conexões interessantes entraram na minha lista de referências e uma delas foi uma forma compacta de classificação em Três Grandes Narrativas da Humanidade de Joana Macy e Molly Brown. Elas propuseram que podemos observar o contexto de ações humanas e seus desmembramentos em três grandes grupos estruturados da seguinte forma:
1. Narrativa dos Negócios Convencionais
2. Narrativa do Apocalipse
3. A Grande Virada
Elas tinham desenvolvido esse conteúdo anos antes e o predomínio da narrativa 1 era inquestionável quando pensamos em sociedade contemporânea. Esta forma de ação atua em diversos níveis e mesmo que pareça pouco ameaçadora ou a gente prefira pensar que ela é diferente da sua essência. A lógica do continuem comprando reina nessa estrutura e todas as suas implicações ambientais e sociais vem junto.
A narrativa 2 era muito frequente no campo das notícias e pode fazer mais sentido em debates e discussões mediadas, onde temos espaço para a reflexão, aprofundamento dos tópicos e apresentação de potenciais alternativas.
Atualmente essa narrativa tem ganhado mais e mais espaço em todos os meios, nas produções ficcionais, notícias formais, mídias menos centralizadas e já não mais alerta para o futuro, nos avisa de eventos atuais. Isso tem gerado para muitos um senso de desespero ou de anestesia, que nos faz paralisar ou... voltar para a narrativa 1.
A narrativa 3 requer uma coisa que já nos desacostumamos a usar, a nossa imaginação. Porque ela nos convida a construir um cenário novo. Talvez nem seja exatamente novo para o planeta, nem para as sociedades humanas de forma mais ampla, mas é algo novo para quem já cresceu em cenários urbanos e esquece cada vez com mais facilidade que este estilo de vida altamente tecnológico, vertical e hiperconectado é coisa da última década! E a humanidade viveu por séculos sem telefone ou meios de transporte como conhecemos. É claro que é preferível seguir em frente a voltar para trás e nem de longe queremos os níveis de higiene e ciência dos séculos anteriores. Mas será que existem outros formatos?
A ideia da grande virada é que possamos repensar nossa relação com a natureza nos enxergando como parte de um ecossistema. Percebendo as interconexões do planeta e como podemos colaborar mais, aprender mais e destruir menos. Já existe material teórico em diferentes áreas de estudo sobre isso, iniciativas em ação, mas isso pouco chega via mídia de massa.
Infelizmente estamos em um momento que flui com uma crise de imaginação e existem teóricos que falam sobre isso, mas vale lembrar que ainda existem boas histórias sendo produzidas e algumas nos convidam a revisitar emoções (sim, mesmo as desconfortáveis) e pensar possibilidades (mesmo se parecerem fantasiosas). Uma autora de fantasia e sci-fi premiada, a Ursula K. LeGuin tem muito material bacana sobre as histórias e criações, e em uma de suas falas ela até comenta sobre como por um looooongo período foi difícil algumas sociedades humanas imaginarem algo diferente daquilo que para elas era a realidade e hoje nos conhecemos mais simpaticamente como idade média e mais parece coisa de ficção.
As prateleiras de cli-fi (climate fiction/ ficção climática) vão ganhando espaço em livrarias e bibliotecas e talvez algumas pessoas aprendam sobre questões importantes ou consigam processar indignações por ali. Só é importante que possamos nos lembrar da esperança e que existem histórias que caminham nessa direção. Deixo duas que li ano passado e ressoaram bastante por aqui:
Talvez você consiga- um livro ilustrado com a linda arte da Anna Cunha e um poema super inspirador
Verônica e os Pinguins – romance com protagonista 80+ que apresenta diretamente a questão climática do risco dos pinguins em uma historia sobre família, escolhas, vivencias que tinha tema e campo para ser trágica, superficial ou hiper explicativa, mas flui de outra forma
*Minha base de referencias do Design Regenerativo é desse autor:
🎶Estou ouvindo um pouco de brown noise (de onde eu escrevo é geralmente bem barulhento – não foi por acaso que eu pensei em Longe do Ruido como nome), parece bem esquisito no início, mas talvez te ajude.
E conheci nesse período essa versão de Nobre Vagabundo , bem diferente da original e ajudou a reativar uma história que estava em pausa por aqui
EVENTOS:
Pessoal que está em SP ou por perto nos próximos dias começa um evento que apresenta inovação no mundo do consumo com produtos alimentícios, cosméticos, embalagens e outros (algumas alternativas para restrições e opções alimentares, menor impacto ambiental e produtores locais)
E neste final de semana também começa A Feira do Livro no Pacaembu e a Bienal do Livro no RJ
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